sexta-feira, janeiro 11, 2019

O Porto da Raiva na segunda metade do século XIX

PORTO DA RAIVA
FOTO: SITE DO MUNICÌPIO DE PENACOVA

São frequentes as referências ao Porto da Raiva, geralmente associadas ao estudo da navegação comercial do Mondego. Também na literatura de viagens e de costumes podemos encontrar alguns relatos, muitas vezes pitorescos, de viagens ao longo do curso navegável do Mondego. 

“A região de Penacova e a Navegação Comercial no Mondego – Subsídios para a História da Navegação”, da autoria da penacovense Maria Adelina de Jesus Nogueira Seco, bem como "Ó da Barca!... Memória da Barca Serrana do Mondego”, do Arq. Fernando Simões Dias, serão duas das principais obras que conhecemos sobre esta temática. Outros estudos têm sido feitos. Podíamos referir o extenso artigo de Edgar Lameiras “Contributo para o estudo da navegação comercial e dos sistemas primitivos de transporte e carga do Mondego a montante de Coimbra”, publicado na volume nº 6 da Revista Antropologia Portuguesa (1988), a partir do qual o Município de Penacova elaborou para o seu “site” o apontamento “Porto da Raiva e Barca Serrana”. 

Em 1911, Augusto d’Oliveira Cardoso Fonseca publicou “Outros Tempos ou Velharias de Coimbra - 1850 a 1880”. Nesse livro com cerca de duzentas páginas encontramos uma interessante descrição de uma viagem entre o Porto da Raiva e Coimbra, onde nos aparecem referências não só ao ambiente da viagem, mas também aos lugares por onde o barco ia passando durante aquele percurso.

A páginas tantas podemos ler: 

“(…) Preferiam as famílias de Coimbra fazer essa viagem [Coimbra-Figueira] pelo rio, para o que havia sempre abundância de barcos que vinham da Foz Dão ou da Raiva [1], assim como do próximo lugar das Torres, e que nos meses próprios se ocupavam unicamente no transporte de famílias. 

Os barcos eram de fundo raso; e, à ré, costumavam os barqueiros formar um amplo toldo, que construíam com um encerado sobre arcos de salgueiro. Era sob esse toldo que qualquer família se instalava, sendo o resto do barco destinado á arrumação de baús com roupa, loiças, etc. Os colchões eram sempre colocados sob o toldo, não só para não se enxovalharem, mas também porque, sucedendo às vezes, a viagem levar quase dois dias, serviam para cama dos passageiros.” 

E mais adiante o relato de uma viagem em 1875 de Coimbra até Cerdeira (Arganil), pela estrada da Beira com regresso pela via fluvial a partir da Raiva: 

“No quarto dia regressámos a Coja, e daqui, seguimos o anterior itinerário até à Catraia dos Poços, donde, deixando a estrada que vai para Coimbra, tomámos o ramal da direita, que vai até à Raiva, porto de embarque na margem esquerda do Mondego e fronteiro à vila de Penacova. 

A povoação da Raiva é pequena, mas o seu porto muito movimentado, por ser nele que se faz o embarque dos diversos géneros que de vários concelhos da Beira para ali são conduzidos e depois transportados, em barcos, para Coimbra e outras povoações até à Figueira da Foz. 

Por isso a maior parte de seus habitantes são barqueiros, entregando-se outros ao comércio de cereais e de sal, de que aí têm depósitos, para embarcarem por conta própria.” 

À semelhança do que hoje acontece nas descidas de canoa, as paisagens ribeirinhas deslumbravam os viajantes, em especial no trecho Penacova-Coimbra. 

“Havia muito que desejávamos fazer esta viagem da Raiva a Coimbra, pelo Mondego, e dessa vez assim fizemos, do que não nos arrependemos. É uma viagem esplêndida, cujos variados panoramas nos deleitam. 

Aqui, navega-se entre penedias que orlam as margens do rio, mais adiante flanqueado de encostas cobertas de viçosas oliveiras, e que, depois de passar a Cabeça de Frade [2], segue por entre ínsuas fertilíssimas. 

Nesta viagem de rio tivemos por companheiro o padre Manuel da Benfeita, o qual com sua ama Maria Correia ia para a Figueira da Foz. Quem vai para o mar aparelha-se em terra, diz o velho ditado; — pois quem, pelo rio, vai da Raiva à Figueira da Foz, faz outro tanto. Assim pensava o padre Manuel, e não fazia mal, porque essa viagem durava, pelo menos, umas vinte horas, em consequência do Mondego, nos meses de Verão, ter pontos, em que, pela pouca água, se torna quase inavegável.”
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 [1] “A Raiva é um pequeno lugarejo, com porto de embarque e desembarque, situado na margem esquerda do rio Mondego, fronteira á vila de Penacova. A população da Raiva compõe-se exclusivamente de barqueiros e negociantes de sal.”
[2]  "Este penedo que fica na margem esquerda do Mondego, a meia légua da foz do rio Ceira, seu afluente, é conhecido por Cabeça de Frade, por ser escalvado e em forma d'um crânio colossal."
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FONTES: 

  • Augusto Oliveira Cardoso Fonseca, “Outros tempos ou velharias de Coimbra - 1850 a 1880” 
Livraria Tabuense, Lisboa. 1911 

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