RELAÇÃO DO QUE SE PASSOU NESTE MOSTEIRO DE LORVÃO DESDE A INVASÂO DOS FRANCESES ATÉ QUE FORAM EXPULSOS DO REINO, A TERCEIRA VEZ EM ABRIL DE 1811, por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
Sabendo as seis religiosas no dia seis que os franceses tinham saído de Coimbra, resolveram recolher no dia 7, que era Domingo, no dia de N. S.ª do Rosário, com mais quatro outras dos sítios vizinhos, que se lhes juntaram.
Vieram ouvir missa a este mosteiro, onde com mediação de poucos dias se chegou a aumentar o número de 25.
Continuaram logo as súplicas a Deus a quem davam graças por se verem outra vez no seu mosteiro livres dos insultos bárbaros de um exército tão desenfreado; pois que apenas em S. Mamede encontraram duas religiosas que foram a madre D. Paula Micaela, já muito decrépita, e a madre D. Joaquina Cândida, demente, a quem não trataram como costumavam, satisfazendo-se com roubarem os móveis de outras religiosas, que para lá os tinham mandado.
Assim mesmo logo começaram a rezar em coro regularmente do modo possível em uma comunidade tão pequena e em conjunturas tão calamitosas, porque além de serem muitas as empregadas nas oficinas do mosteiro, outras andavam de contínuo no exercício de fazerem manifestar os remédios temporais e espirituais a a um grande número de criadas enfermas da malina que então grassou dentro do mosteiro, da qual morreram vinte e uma, e nenhuma religiosa foi atacada nem o médico deste mosteiro o Dr. António Xavier Pereira da Silva que logo recolheu e constantemente assistiu às enfermas com todo o desvelo assim como alguns religiosos do colégio da Estrela e Pedreira, os quais lhes assistiam e sepultavam e diziam as missas à comunidade, porque dos religiosos da casa apenas nos fins de Novembro apareceu e se conservou assistindo aqui o padre cartorário Fr. António Montenegro.
O susto contínuo de voltarem os franceses da província da Estremadura moveu algumas religiosas que se achavam no mosteiro a procurarem a casa dos seus parentes e outras a nossa quinta da Esgueira para onde logo no princípio tinham partido algumas religiosas e depois em os fins ou princípio de Dezembro se lhes juntou a actual prelada a Ex. ma Srª D. Ana Luísa de Vasconcelos Coutinho que até então andou pela sua terra de Soure e vizinhanças, chegando a ajuntar-se ali dezoito religiosas.
Apesar dos contínuos sustos em que estávamos da volta do inimigo e pelos reforços que lhe entravam que faziam as suas costumadas atrocidades por onde passavam, como era pelas terras de <poiares e outras, sempre continuaram a permanecer religiosas neste mosteiro, as quais intimamente , no dia 13 de março de 1811 foram obrigadas a sair rapidamente para as vizinhanças do Buçaco ficando ainda neste mosteiro a madre D. Maria Arcângela de Melo, a madre D. Leonor Joana de Albuquerque, a madre D. Grácia Perpétua Beltrão, e mais cinco religiosas que não se tinham ainda podido retirar, mas nesse dia chegou ao mosteiro aviso do general Trant que lhes mandou dizer que os franceses tinham desistido do empenho de entrarem em Coimbra e que por Foz de Arouce se retiravam perseguidos do nosso exército, o que sabido pelas religiosas fugidas fez com que se recolhessem todas com as comodidades possíveis, que todas lhes tinham faltado na saída.
Conservou-se na quinta da Esgueira a prelada com as religiosas acima mencionadas, acompanhadas pelo padre capelão deste mosteiro, Fr. João do Amaral, até à semana antes ada Páscoa, princípios de Abril, que recolheram juntas pela igreja, onde se cantou o Te Deum laudamus e assim mesmo se continuaram a recolher as outras religiosas que faltavam e os padres confessor e feitor.
Em 5 de Novembro de 1811 o prelado veio fazer eleição de nova prelada que foi a Ex.ma Srª D. Maria Tomásia de Albuquerque, e por recomendação do mesmo prelado a mim, D. Joana Delfina de Albuquerque, cartorária deste mosteiro, para se fazer assento do que se passou, assim o executo com a possível individuação, por ser uma das que primeiro se recolheram a este mosteiro."
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