Depois de muita bibliografia de carácter historiográfico sobre Lorvão, surge agora “este pequeno romance” que “pretende dar a conhecer a presença dos beneditinos nesta região e despertar interesse pelo conhecimento da sua história em todos os âmbitos da sua expulsão”, “sensibilizando para uma época e para um Mosteiro “, conforme se pode ler nas páginas introdutórias. “Sem entrar em detalhes de actos históricos, mas recorrendo a alguns deles para desenvolver o romance – que é disso que se trata - foram lidas algumas obras para nos inteirarmos de alguns aspectos importantes” – salienta também a autora.
O romance tem como personagens principais um jovem monge, Bernardo, a jovem Clara, uma rapariga do “povoamento” e o Abade Lucas. Trata-se de uma viagem no tempo. Viagem ao passado, envolta numa dinâmica de regresso ao futuro. É que, depois de muitos séculos, o Mosteiro de Lorvão, vê regressar os Beneditinos, dando assim, vida e dinâmica aos espaços que, com a saída do hospital psiquiátrico, se encontravam à espera de uma utilização condigna.
“Um clarão como se fosse um relâmpago bateu no grupo e no círculo ao mesmo tempo. Alguns bordados de algumas aves foram transformados em penas no momento em que a viragem para o futuro se deu. Todos juntos chegaram ao cimo das escadas do mosteiro actual.”
Claro que todo este processo gerou alguma perplexidade na pacata vila.
“Vem ali outra pessoa! - exclamou o monge Antão quando um rapaz se dirigiu à porta da igreja do mosteiro.
- Boa tarde! – sou o guia deste mosteiro, quem são vocês pelo vosso traje? – perguntou o guia do mosteiro um pouco espantado.
- Somos os beneditinos deste mosteiro – respondeu o Abade Lucas. (…)
- Mas os beneditinos que estiveram neste mosteiro estiveram no século XII. Não podem ser vocês! – exclamou o guia.
- Nós somos os beneditinos que estiveram neste mosteiro no passado, só que fizemos uma viagem ao futuro. Estamos aqui porque estávamos no passado que era nosso presente e quisemos viajar ao seu presente, para nós era futuro que agora também é presente. Íamos ser expulsos. -disse o monge Bernardo…”
No entanto o fulcro do romance é a relação amorosa entre Bernardo e Clara (que nessa viagem ao futuro acabam por casar em 2016 na igreja de Lorvão). Mas voltando aos tempos medievais, tudo começou quando o monge e a jovem aldeã deram o primeiro beijo:
“Nesse momento, Clara não esperou por mais nada e beijou-o. O jovem monge esqueceu-se que era monge e aquele momento configurou-lhe o mundo como uma corrente que corre no leito profundo.”
E mais adiante, encontramos a seguinte passagem:
“- Vou copiar o códice do livro das Aves o mais rápido possível, tenho algo em mente. [diz Bernardo]
- O que tens em mente?- perguntou Clara.
- Direi, mas não hoje. – respondeu e foi para a sua tarefa.
Enquanto isso, os irmãos perguntaram:
- Que relação tens com o jovem monge, Clara?”
Como lidar com tudo isto?
O romance tenta explicar, e prepare-se o leitor para uma leitura mais demorada pois vai encontrar passagens como esta:
“Como poderia existir sensorialidade sem materialidade? Para os beneditinos a sensorialidade podia ser o avesso que seria o direito. Noutro sentido, e esta sensibilidade era levada pela transcendência, a fim de ser visto o invisível ou aquilo que está naquilo que o outro não vê, poderia existir sensorialidade sem materialidade …”
O livro tece também longas considerações sobre a regra de S. Bento, aborda Teologia e Filosofia. A dado passo, imagine-se, Clara recebe uma lição de filosofia:
“Nem um nem outro responderam e o jovem monge preferiu explicar a Clara o que era a dialética de Pedro Abelardo…”.
Uma obra que certamente vai cumprir os seus objectivos: cativar (e desafiar) o leitor, promover um maior conhecimento e sensibilidade sobre o Mosteiro de Lorvão, cuja história, não se escreve apenas no feminino, mas nos remete também para a acção dos monges negros, isto é, dos monges beneditinos que estiveram na origem do cenóbio laurbanense.
Sem comentários:
Enviar um comentário