20 maio 2019

Grupo Etnográfico de Lorvão comemora 30º aniversário

A participação na missa dominical, seguida de actuação pública e de um almoço convívio, assinalou , ontem, o 30º Aniversário do Grupo Etnográfico de Lorvão (GEL). Durante o encontro, foi prestada homenagem a uma das fundadoras, D. Maria Fonseca. De acordo com os participantes “foram momentos de grande emoção, partilha, amizade e carinho”. 


O GEL tem a sua génese no "Grupo de Danças e Cantares de Lorvão" criado em 1989. Desde muito cedo surgiu a ideia da criação de um Grupo de Etnografia e Folclore com base num trabalho de pesquisa sobre a cultura local. A Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão "apadrinhou" o grupo em 1990, não apenas por uma questão de enquadramento legal, mas também pelo reconhecimento do seu mérito. Neste processo foi adoptada a denominação "Grupo Etnográfico de Lorvão".

Fez a sua primeira apresentação em público em 6 de Maio de 1990 seguindo-se inúmeras actuações em Portugal e no estrangeiro bem como participações em programas televisivos. 

O estandarte, representa uma figura extraída de uma iluminura do «Apocalipse de Lorvão», que mostra aspectos de vários trabalhos agrícolas da região: cenas da vindima, da ceifa e do lagar de azeite. A moldura do mesmo está guarnecida com folhas de louro e palitos. 


O repertório compõe-se de danças e cantares recolhidas na Vila de Lorvão e serras de Aveleira, Roxo, Paradela e S. Mamede. Apresenta trajos dos finais de séc. XVIII - Criados do Convento, Devotos do Senhor dos Passos, Noivos, Paliteira de meados de séc.XVIII, Recoveira; Vendedor de Palitos; Ver-a-Deus, Meia-Senhora - e trajos do final de séc. XIX como Paliteiras, Trabalhos Agrícolas, Romeiros; Feirantes. O Toque é constituído por instrumentos Tradicionais, nomeadamente: A Viola Toeira, Cavaquinhos, Bandolim Português, Violões, Pandeiro e Ferrinhos. Os viras; os verdegaios, o malhão de Lorvão e outras, são as modas alegres e vivas que este grupo apresenta.


10 maio 2019

Notas para a história da indústria dos palitos em Lorvão

Pormenor de gravura da revista "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA"
(1913)


Existe muita bibliografia sobre a indústria dos palitos em Lorvão. Em 1916, a Revista “Arquivos da Universidade de Lisboa” publicou um extenso artigo de José Henrique de Azeredo Perdigão (1896-1993), estudante de Direito.

O artigo daquele que mais tarde viria a ser o 1º Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian intitulava-se “A indústria em Portugal - Notas para um inquérito”. Ali se analisa o estado das indústrias em cada um dos distritos do continente e “ilhas adjacentes.”

Referindo-se ao distrito de Coimbra, começa por salientar que “não existem grandes fábricas, verificando-se sim “um grande desenvolvimento nas pequenas indústrias”.

A indústria algodoeira é considerada como “a única verdadeiramente notável” seguindo-se a moagem e o fabrico do papel (Góis, Lousã e Miranda do Corvo). As fábricas de serração de madeira, a metalurgia (fundições e serralharias), a cerâmica (Coimbra, Figueira da Foz, Lousã e Penacova) e a indústria do calçado completam a lista das actividades industriais mais significativas.

A análise do distrito de Coimbra, naquele estudo de Azeredo Perdigão, termina com a referência a Lorvão: “Entre as indústrias caseiras e rurais devemos citar a dos palitos, muito desenvolvida, especialmente em Penacova e Lorvão.” 

“Esta indústria que merece um pouco de estudo, exerce-se nos concelhos de Poiares, Coimbra e Penacova, sendo o principal centro de fabrico a aldeia de Lorvão. O trabalho é manual e só há pouco tempo ainda é que em Penacova se instalou uma fábrica de palitos que deve empregar 34 operários.”

Depois desta introdução seguem-se algumas notas estatísticas, afirmando-se que “na freguesia de Lorvão que deve ter 3 700 habitantes, há 2 220 operários paliteiros ; no concelho de Penacova devem ocupar-se nesta indústria 3.484 indivíduos; no concelho de Poiares, 540; no de Coimbra, 174; ao todo, 4 198 paliteiros, sendo 296 rapazes, 1.605 raparigas, 424 homens e 1 873 mulheres, o que nos revela uma grande preponderância nesta indústria caseira do trabalho feminino, o que aliás acontece com quási todas as outras”.

Ficamos a saber que um “operário destro” podia produzir, por dia, “ 50 palitos - flor ou 2000 marquezinhos, ou 2400 ordinários, ou 4000 maganos”, ganhando assim o” ínfimo salário de 120 ou 140 réis.”

Ao nível do distrito de Coimbra, o “valor económico da indústria paliteira” traduzia-se nos seguintes dados: “valor de maços produzidos: 10 656$00; valor da madeira empregada como matéria prima: 48 491 $00; lucros para os fabricantes: 146 522$00; lucros para o comerciante: 67 368$00; lucros para o fornecedor de madeiras: 16 911$79; lucros totais, ou riqueza que para a região representa a indústria paliteira: 230 801$79.”

Este documento da Universidade de Lisboa, publicado em 1916, sublinha que “uma das coisas mais curiosas que se verifica na região paliteira, é a existência do palito-moeda” pois, “como a maior parte das casas comerciais daqueles concelhos vendem palitos em quantidade, aceitam-nos em pagamento de géneros alimentícios e outros artigos.”


“O empacotamento ou se faz em embrulhos de papel que reunidos formam um maço, ou em pequenas caixas contendo aproximadamente 400 palitos. Há várias casas de empacotamento e exportação que compram os palitos à indústria doméstica e depois de aperfeiçoados os enviam para todo o país e até para o estrangeiro, sendo as Repúblicas Sul-Americanas um bom consumidor deste produto regional” – acrescenta ainda Azeredo Perdigão que não deixa de reconhecer as limitações deste seu trabalho perante a inexistência de “verdadeiras estatísticas industriais”. 


Indústria cerâmica nos finais do séc. XIX em Penacova


Nos finais do século XIX a actividade industrial em Penacova resumia-se a muito pouco. Recorde-se que ainda não existia a Cerâmica Estrela d’Alva pois só em 1904 iniciaria a sua laboração.

Por volta de 1915 apontavam-se como “bandeiras” da industrialização do concelho, a Estrela d’Alva, a Fábrica de Cal da Galiana e o Lagar de Vila Nova, tendo como principais investidores, respectivamente, Alípio Barbosa, Amândio Cabral e José Maria de Oliveira.

Nos inícios do século XX, encontramos na freguesia de Sazes pedreiras de mármore e de calcário. Na freguesia de Penacova a extração de cal preta de muito boa qualidade e também granito, para cantaria e mós. Granito igualmente explorado na freguesia de Friúmes. Há notícia do registo, na comarca de Penacova, de dez minas de metais preciosos, carvão, ferro e chumbo que, no entanto, não se encontravam em fase de exploração. De referir ainda as indústrias da cal, dos palitos, da madeira e da lenha, que detinham já algum peso no panorama concelhio.

A indústria cerâmica ocupava um lugar muito modesto. Como já referimos, a Fábrica da Estrela de Alva só alguns anos mais tarde iniciaria a sua laboração.  Um documento do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria intitulado “ESTUDO SOBRE O ESTADO ACTUAL DA INDÚSTRIA CERÂMICA”, publicado em 1905, apresenta, no entanto, três polos industriais neste sector: freguesias de Figueira de Lorvão, S. Pedro de Alva e Sazes. Em Figueira e em S. Pedro de Alva fabricava-se telha ordinária. Em Sazes, panelas e caçarolas.

É a parte do documento referente ao concelho de Penacova onde se faz um apanhado geral, com o número de oficinas e fornos, o pessoal empregado e o rendimento anual nas diferentes freguesias e no concelho que, a seguir, se transcreve (grafia actual). Publicamos também algumas das gravuras que integram aquela publicação.


Freguesia da Figueira de Lorvão

“Nesta freguesia e lugar da Sernelha existem 2 fornos de cozer telha ordinária. Em cada um dos fornos empregam-se o dono do forno, mais 2 operários, 2 trabalhadores e 1 rapariga. A duração do trabalho é desde abril a outubro. Os preços dos jornais são de 300 réis para os operários e 240 réis para os trabalhadores, as raparigas não vencem jornal por serem filhas dos donos dos fornos. O barro empregado é avermelhado e é explorado aos lados dos sítios onde estão os fornos, tem a plasticidade necessária para o fabrico a que é destinado, os utensílios empregados no fabrico são os usados nesta espécie de produtos. Não apresentam também novidade alguma. Cada forno produz anualmente 50 milheiros de telha, que vendem na própria freguesia e nas vizinhas a 5$500 réis (em média), sendo, portanto, o rendimento anual de cada forno 275$000 réis, ou 550$000 réis para os 2 fornos.”

 Freguesia de S. Pedro de Alva

“Nesta freguesia e lugar da Cruz do Souto existem 3 fornos de cozer telha ordinária, nos sítios denominados Cabecinho, Carvalhinho e Serra. Em cada um d’estes fornos trabalham permanentemente, durante os meses de laboração, agosto e setembro, 2 operários e 1 carreiro. Os preços dos jornais regulam por 280 réis para os operários  1$200 réis para o carreiro. O barro empregado é esbranquiçado, regularmente plástico e é explorado no sítio do Val do Grou, que fica á distancia de 500 metros aproximadamente dos 3 fornos. Os fornos, utensílios e processos de fabrico são precisamente iguais aos da Figueira de Lorvão. Cada forno produz anualmente 36 milheiros,ou 108 milheiros para os 3 fornos, que vendem a 4$000 réis na própria freguesia e nas vizinhas, sendo portanto o rendimento anual dos 3 fornos réis 432$000. Em Lufreu, lugar pertencente a esta freguesia, está-se montando uma fábrica a vapor para o fabrico de telha tipo marselhês, mas asua construção está ainda bastante atrasada. “

Freguesia de Sazes

 “Há 4 anos pouco mais ou menos veio de Molelos um oleiro com sua mulher, 3 filhos e 2 filhas, todos maiores, estabeleceram-se nesta freguesia para exercer a sua industria. Começaram fazendo as suas pesquisas à procura de barros e, conseguindo encontrá-los razoáveis, principiaram a fabricar louça preta pelo sistema de Molelos. Tem 3 rodas ou tornos de oleiro, um bocado de sola e outro de cana, únicos utensílios que empregam. Fabricam unicamente panelas e caçarolas. A louça é cozida em covas abertas no chão. De tempos a tempos desloca-se parte da família, andando por outras freguesias a fazer e cozer louça, isto é, são fabricantes de louça ambulantes. Desde que vêem que numa freguesia os seus produtos já não têm fácil venda, mudam-se para outra, até que passados 6 ou 8 meses de peregrinação regressam a Sazes, sede do seu estabelecimento. Não se pode fixar bem a produção e rendimento anual d’esta indústria, mas não se deve avaliar em menos de 200$5000 réis.”









05 maio 2019

Ponte do Alva (1908-1986)

A Ponte do Alva por alturas da inauguração
(foto cedida por Luís Calafate)

A nova ponte em construção, vendo-se ao fundo a antiga travessia.
(Foto publicada no NE em 1986)

Quem se recorda da Ponte do Alva? Foi no dia 2 de Janeiro de 1986 que terminou os seus dias. Eram 10 horas da manhã. Poucos segundos antes tinha passado o Expresso da Rodoviária com destino a Viseu, carregado de gente. Conta o jornal Nova Esperança que também um motociclista se salvou por pouco, graças a um furo no pneu que o fez parar antes de atravessar a ponte. Houve uma vítima mortal (um jovem da zona de Cantanhede) mas na sequência de trabalhos de desobstrução das estruturas (da velha e da nova ponte).

Na altura, as obras da nova ponte já estavam quase concluídas, o que permitiu que logo a 22 de Janeiro fosse aberta ao trânsito, evitando um maior transtorno com o desvio por Friúmes ou Poiares para apanhar a estrada da Beira ou pela Barragem da Raiva e Gondelim em direcção a Penacova. 

As obras da velha ponte foram lançadas em 1908, com a presença de José Maria de Oliveira Matos, deputado progressista pelo círculo de Arganil. Esta ponte terá mesmo sido designada por Ponte Oliveira Matos (a par da ponte de Penacova também com o nome de outro membro do Partido Progressista, Luciano de Castro). As obras só terão ficado concluídas passados mais de seis anos. Em 1914 ainda o Jornal de Penacova dizia que a ponte lá estava, "como um coreto sobre o rio", à espera que se fizesse "o encontro da margem direita”. 

Imagem  recolhida num documento (cedido por Luís Calafate )
datado de 1920  em que é possível saber que tinha 70 metros.
A Ponte do Alva representava, em termos de engenharia de construção, um dos primeiros exemplares de pontes construídas em Portugal com cimento armado. Foi construída pela empresa Moreira de Sá e Malevez[1], concessionária em Portugal do sistema de betão armado Hennebique. O cimento armado fora uma invenção do construtor francês Monnier, realizada por volta de 1860, ao embeber no cimento fios ou redes de aço aumentando-lhe, assim, a resistência. No entanto, para as construções de maior vulto foi preciso aperfeiçoar esta técnica. Tal foi conseguido em 1892 pelo engenheiro francês François Hennebique. 

A revista francesa na área da construção civil "Le Béton Armé", de 1908, refere esta obra tendo como concessionário, precisamente, “Moreira de Sá e Malevez”. O engenheiro responsável terá sido João Theophilo da Costa Goes. 

Por tudo isso, pena foi que tivesse desaparecido para sempre. Quem sabe, se tivesse tido obras de conservação ainda hoje poderia ser um caso de estudo no campo da engenharia e obras públicas, coexistindo com a actual ponte que serve o IP3. 



[1] Ainda há poucos anos, fomos contactados por um bisneto do Eng. Bernardo Moreira de Sá, Luís Calafate (Professor universitário) no sentido de obter informações sobre a velha Ponte do Alva (além das que já possuía e que amavelmente nos disponibilizou).

30 abril 2019

Afinal a Igreja caiu ou não caiu?


É voz corrente que o actual edifício da Igreja Matriz de S. Pedro de Alva é o resultado do “acrescentamento de uma mais pequena, do século XV, destruída pelo sismo de 1755.” Assim se pode ler no sítio web [1] da Junta de Freguesia.

Também o “Inventário Artístico de Portugal” [2], no volume dedicado ao distrito de Coimbra, da autoria de Virgílio Correia e A. Nogueira Gonçalves, refere que “o edifício actual pertence a duas épocas: a capela-mor ao segundo quartel do séc. XVI e o corpo da igreja à segunda metade do séc. XVIII, por ter desabado o da época quinhentista, com o terramoto de 1755”. Nogueira Gonçalves foi padre, professor e Conservador do Museu Machado de Castro, sucedendo a Virgílio Correia naquele cargo. O trabalho destes dois investigadores é reconhecido como sendo modelar. No entanto, contrariando estas afirmações, deparámo-nos, há tempos, com a existência de um documento datado de 1756 que poderá pôr em causa a tese da destruição parcial da igreja na sequência do terramoto.

No rescaldo do forte abalo sísmico ocorrido em 1755, D. José I - com a colaboração de Sebastião José de Carvalho e Melo - mandou fazer um inquérito para ser enviado a todos os párocos do reino. Essas INFORMAÇÕES DOS PÁROCOS DE DIVERSAS REGIÕES DO PAÍS RELATIVAS ÀS CONSEQUÊNCIAS DO TERRAMOTO DE 1755 encontram-se arquivadas na Torre do Tombo, em Lisboa. Nem todos os vigários responderam mas, naquele conjunto de documentos, encontra-se o relato do pároco de Farinha Podre onde, o mesmo, escreveu: “Não houve ruinas algumas ainda nos edifícios de maior grandeza, como esta Igreja (Padroado Real) que pelo levantado, e majestoso de seu arco cruzeiro e capela-mor excede as mais deste arcediagado, obra antiga, de que não há memória, e só tradição ser fundada pelos Templários.”

Mais à frente, reforça o facto de não ter havido danos materiais: “É esta freguesia povoada só de lugares ou aldeias em um sítio vulgarmente chamado Casconha e como o terramoto não causou mais abalo, que horror e espanto, não houve providência alguma imediata.”
 


O documento tem a data de 15 de Maio de 1756. Mais tarde, em 1758, foi lançado um novo questionário, onde, além de outras questões, se perguntava novamente se a freguesia havia “padecido” de alguma “ruina no terramoto de 1755” e, no caso de ter existido, em quê e se estavam reparados os danos. Ora, também neste documento, nada se refere quanto ao pretenso desabamento da Igreja, e nem sequer se responde à questão 26, que dizia respeito às consequências do terramoto.

Se tivesse havido tão significativo estrago na Igreja Matriz o que poderia ter levado o pároco a não o comunicar, passado apenas meio ano? Por outro lado, em que fontes se terão baseado os autores do Inventário Artístico? Ficam as perguntas.
______________
[1] http://www.uf-spaspm.pt/
[2] Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Coimbra, de Vergílio Correia (reorganizado e completado por A. Nogueira Gonçalves publicado pela Academia Nacional de Belas Artes em 1952.

07 abril 2019

Tragédia: suicídio na Cadeia

Foto de Óscar Pereira Trindade

Foi há precisamente 100 anos que o caso se deu. No dia 2 de Setembro de 1919, relatam os jornais, na localidade de Couchel (Poiares), Antonino (ou António) Vaz de Carvalho, depois de uma acesa discussão com a irmã, Albertina Vaz de Carvalho, dispara sobre ela, à queima roupa,um tiro de caçadeira. A vítima morreu, pouco depois, no próprio local.
O homicida foi preso e mandado para a cadeia de Penacova. No dia 11, a meio da tarde, foi-lhe “intimado o despacho de pronúncia, sem admissão de fiança” – escreve o Jornal de Penacova.
À noite depois de adormecerem os dois companheiros de prisão “foi colocar-se junto às grades e quando viu que tudo estava em silêncio, atou um lenço de assoar ao pescoço” e enforcou-se.
Um dos presos, quando se apercebeu, gritou e “em breve apareceu gente, que pelo lado de fora, cortaram a ponta que o ligava às grades”. Só depois chegou o carcereiro. Ao delegado de saúde, Dr. Rodolfo Pedro da Silva, apenas restou declarar o óbito. Em caixão de chumbo  seguiu para Braga, onde a família da viúva possuía um jazigo.
O Jornal de Penacova encabeçou a notícia com o título “Suicídio de um Criminoso”. Por sua vez, A Gazeta de Coimbra intitulou “Crime de Fratricídio” e escreveu que “não deixou cartas, presumindo-se que o motivo fosse o arrependimento do crime cometido, pois declarara perante as autoridades, ter sido a morte da irmã ocasionada por desastre”. O Jornal de Penacova refere que “na manhã desse dia tinha enviado para casa, por um criado, todas as suas coisas que tinha na prisão, escrevendo uma carta à desolada esposa, recomendando-lhe todos os cuidados pelo filhito que conta 3 meses”.
Vem hoje este assunto à baila respondendo a um desafio que o amigo Óscar Trindade lançou na sua página do Facebook. Ao publicar uma fotografia do edifício onde funcionou a Cadeia, a Câmara, diversas Repartições, e por último o Tribunal, escreveu o seguinte: “Muito haverá para dizer desta casa, muitas histórias já perdidas mas, com certeza, haverá ainda alguém para outras contar, quem as souber façam favor de as partilhar.” Aqui fica, assim, uma memória (trágica) daquele edifício, que foi inaugurado no dia 1 de Janeiro de 1869 e edificado sobre as ruínas do Paço dos Duques de Cadaval, entretanto destruído por um incêndio.

05 março 2019

Da hospedaria da ti Leocádia à pensão da Altina do Amaral


Publicidade no Jornal de Penacova [1901]

É num livro publicado em 1903* pela Tipografia Vasconcelos (Porto) que, à volta de algumas aventuras de um grupo de estudantes de Coimbra pelas terras da Beira, passando pelo Luso, Mortágua, Foz do Dão, S. Pedro de Alva, Penacova,  vamos encontrar uma curiosa referência à Hospedaria da ti Leocádia, onde a menina Altina ajuda a mãe a receber os hóspedes e a servir as refeições.
Vindos da Foz do Dão, “pouco depois chegavam à Barca do Concelho, perto da vila, tendo passado antes Entre Penedos, duas altas serras de pedras de tal forma dispostas de uma e outra margem do rio, que um falecido poeta as cognominou de Livraria do Mondego, tendo junto à superfície da água um pedregulho que os barqueiros chamam de Frade. Atracaram por fim e em seguida começaram os viajantes a subir a serra da vila, alojando-se na hospedaria da tia Leocádia de Jesus. (…) Sabendo que os viajantes vinham da Foz do Dão, a graciosa menina Altina, elegante e apresentável filha da senhora Leocádia, tratou de indagar se por lá tinham visto ou se conheciam um tal senhor Nardo (…).
Há também uma referência às paisagens de Penacova: “O panorama que oferecia o rio Mondego visto da Hospedaria da tia Leocádia, era realmente encantador; na margem esquerda avistava-se a povoação da Carvoeira entre ínsuas bordadas de choupos, faias, e pela retaguarda do lugar alguns montes coroados de moinhos de vento.”

Edifício do antigo Hotel Altina, na rua Coselheiro Fernando de Mello
[imagens Google]

Altina do Amaral dará continuidade ao negócio da mãe. No Jornal de Penacova de 1901 é publicado o anúncio “Casa de Hóspedes de Maria Altina do Amaral” oferecendo “bons quartos e excelente comida.” Fica-se a saber que também vendia tabacos e vinhos.

Desde os tempos da ti Leocádia que a Pensão recebia grupos de estudantes, excursionistas, funcionários e políticos. No dia 1 de Dezembro de 1910 aquando da inauguração do Centro Republicano e da iluminação pública a acetilene, foi ali o jantar de confraternização. Em 1923 é um grupo de Finalistas da Escola Normal Superior de Coimbra que janta no “Hotel Altina” à volta de um passeio a Penacova e a Lorvão. Quando surgiu o Hotel Penacova, a pensão Altina chega a aparecer  na publicidade do Jornal de Penacova como “Hotel dos Contentinhos”. A D. Altina era uma pessoa “muito popular e simpática” - diz a Gazeta de Coimbra.
   

Maria Altina morre no dia 25 de Dezembro de 1926. O Hotel Altina” é então  posto à venda, tratando do assunto o advogado Daniel da Silva. A Gazeta de Coimbra  publica vários anúncios. 

No entanto, por volta de 1946 volta a aparecer no Notícias de Penacova o anúncio “Vende-se casa de habitação que antigamente serviu de hotel, conhecido por Hotel Altina. Óptimas vistas para o Mondego. Trata Álvaro Alberto dos Santos”.

Quando morreu Altina do Amaral a Gazeta de Coimbra escreveu que esta foi “a mais antiga hoteleira” da vila que “bastantes serviços lhe ficou devendo pelo muito que contribuiu para a boa propaganda da sua terra natal”.
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* "Estudantes de Coimbra" de B.M. Costa e Silva
LEIA AQUI

02 março 2019

O machado de pedra polida encontrado em Lorvão em 1973



A Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão acaba de publicar na sua página no Facebook informação mais pormenorizada sobre o fragmento de machado de pedra polida encontrado em 1973. O Prof. Doutor Nelson Correia Borges defende que ”a história do local de Lorvão pode, provavelmente, estender-se ao período eneolítico."

"Encontrado no Alfandaque, não in situ, mas guardado sob o lar de um forno de cozer boroa. Já não se encontra completo, pois está partido pela parte do encabamento, medindo no maior comprimento 0,112 m e na largura máxima 0,053 m. O peso é de 480 gramas. Tem o gume ligeiramente curvo e os lados convexos. O gume encontra-se já um pouco embotado, devido ao uso. A ligação ao cabo devia fazer-se directamente, pois não há vestígios de quaisquer sulcos. É de crer que medisse de comprimento, quando completo, cerca de 20 cm. Todavia trata-se de um belo exemplar, apesar de fragmentado. O material empregado é uma pedra alheia à nossa região, que julgamos ser diorite e que dá óptimo polimento.
É muito difícil estabelecer-lhe uma cronologia que tanto pode ir do Neolítico até à Idade do Ferro. Em números, tanto poderá ser do quarto milénio a.C. como do século VIII a.C. Talvez seja do período eneolítico, aí entre 2.500 a 1.500 a.C. Na Antiguidade e na Idade Média acreditava-se que estes machados, a que por vezes se chamava "pedras de raio", traziam fortuna e felicidade ao seu proprietário, sendo protectores da casa e muitas vezes se colocavam sob o lar dos fornos ou das lareiras.
Ora este machado, encontrado sob o lar de um forno, em Lorvão, além de colocar a hipótese da terra ter sido povoada em eras remotas, comprova a sobrevivência de uma tradição com muitos séculos.
Do povoamento que, a ter-se dado no Eneolítico, seria, certamente, de pastores restam na região alguns indícios, embora os vestígios materiais faltem.
Assim, no topónimo PENACOVA, temos o prefixo celta PEN, que significa monte. Nota-se que ainda hoje uma parte da população denuncia origem céltica, igualmente. Querem alguns etnólogos que o característico surriar carnavalesco seja também de origem céltica, pois teria origem no imitar do relincho do cavalo, animal sagrado para aquele povo indo-europeu.
Mas os Celtas chegaram ao nosso território em diversas vagas iniciadas no século VIII a.C. e situam-se na Idade do Ferro e da cultura castreja. O nosso machado será, certamente, anterior."

27 fevereiro 2019

Mosteiro de Lorvão: processo de musealização tarda em avançar



A Deputada do PCP Ana Mesquita, acompanhada por membros da Comissão concelhia de Penacova, da direcção Regional de Coimbra do PCP e de eleitos da CDU reuniram com a Associação Pró-Defesa do Mosteiro do Lorvão para acompanhar os desenvolvimentos referentes ao processo de musealização previsto para parte do monumento.


Da  Direcção da Organização Regional de Coimbra do PCP recebemos a seguinte Nota:
“De acordo com as informações prestadas, o projecto de musealização encontra-se concluído há cerca de um ano e meio e, desde então, não se têm registado avanços. Segundo a Direcção da Associação, o problema prende-se agora com o plano de segurança contra incêndios, que necessita de ser adaptado a exigências legais que não terão sido acauteladas no planeamento e execução da obra realizada.
De relembrar que as obras de requalificação dos claustros do Mosteiro de Lorvão terminaram em 2014, tendo o Estado, através da Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC) investido 1,7 milhões de euros para requalificar e adaptar parte do Mosteiro com vista a receber e tornar visitável espólio de arte sacra. O PCP desde sempre exigiu que o Governo avançasse com o investimento e as diligências necessárias à rápida abertura do Museu, tendo, para esse efeito, apresentado o Projecto de Resolução 534/XIII - Musealização e pleno funcionamento do Museu do Mosteiro do Lorvão.
A verdade é que o tempo passa e o espaço ainda continua vazio, tendo sido tomadas opções no sentido de desresponsabilização do Governo e da Administração Central pela concretização do espaço museológico. Assim, acaba por ser assinado, em Outubro de 2016, um protocolo entre a Direcção Regional de Cultura do Centro e a Câmara Municipal de Penacova (CMP), para que esta última passasse a assegurar o projecto.
De acordo com informações vindas a público pela comunicação social, a candidatura a fundos comunitários para a musealização do espaço foi feita há um ano, tendo a CMP de assegurar 15% de contrapartida nacional de cerca de 380 mil euros. No entanto, a Associação Pró-Defesa do Mosteiro do Lorvão refere uma verba mais elevada, que rondará 600 mil euros, a que deverão acrescer cerca de 34 mil euros, assegurados pela autarquia, para adaptações referentes a acessibilidades.
Além dos problemas com o plano de segurança contra incêndios, a Associação alerta para a possibilidade de existirem equipamentos que podem nem sequer estar a funcionar devidamente, como é o caso do elevador e do sistema de AVAC, pois nunca terá sido ligada e testada por falta de energia trifásica.
Mais ainda, está ainda por resolver uma questão relativa a telas com necessidade de realização de intervenções de conservação e restauro, que terão sido adjudicadas pela DRCC/DGPC à empresa Memoriae Tradere. A empresa terá conhecido dificuldades de gestão e, eventualmente, entrado em processo de insolvência, pelo que se colocam dúvidas sobre a conclusão dos trabalhos de recuperação e salvaguarda das telas em curso, sendo que uma das obras se encontra em condições de grande fragilidade após ter estado depositada no chão e sujeita a incidência de luz e humidade durante quatro anos.
O PCP considera que o Governo não se pode desresponsabilizar pelo Património Cultural e que tem de tomar medidas para garantir o pleno funcionamento do espaço museológico do Mosteiro do Lorvão e, por isso, vai enviar ao Ministério da Cultura uma pergunta regimental questionando que intervenção vai ser tomada para rápida resolução dos problemas relatados.
Este é um processo que não pode deixar de fazer reflectir também sobre o futuro que aguarda o Património se a transferência de competências na Cultura se concretizar nos moldes anunciados pelo Governo PS, comportando severos riscos para o património  e os interesses das populações e significando simplesmente um ónus e uma transferência de encargos para as autarquias locais.”
Refere a mesma nota que o PCP visitou ainda o Grupo de Solidariedade Social, Desportivo, Cultural e Recreativo de Miro.
VER NOTÍCIA AQUI:

08 fevereiro 2019

A Lenda dos Três Rios









Muitas das compilações existentes sobre lendas portuguesas a referem, atribuindo-a à tradição oral da zona de Pombeiro da Beira, mas muito raramente é feita referência à versão do Visconde Sanches de Frias na monografia sobre aquela localidade publicada em 1896.


“Mondego, Alva e Zêzere, nascidos da mesma mãe, serpeando pelas vertentes da serra da Estrela, em santa irmandade, amigos e camaradas, viviam tranquilos e alegres, mirando-se cada qual na limpidez das suas águas, e escondendo-se nas gargantas, furnas e sorvedoiros da gigantesca serra. Umas tardes, já quase à boca da noite, envolveram-se em azeda conversa, porque se arrogaram valentias, ao que parece prometeram romper as prisões, que os detinham, trovejaram rivalidades, e acabaram por desafiar-se para uma corrida vertiginosa, cuja meta seria o corpo enormíssimo do mar. O primeiro, que lá esbarrasse...
- Qual dos três saberia melhormente o caminho? — Qual desenvolveria maior tafularia e força? — Quem seria o primeiro a oferecer as suas águas dulcíssimas às salsas águas do mar?
Era o que ia ver-se.
O Mondego, astuto, forte e madrugador, levantou-se cedo, e começou a correr brandamente, para não fazer barulho e não levantar suspeitas, é de crer, desde as vizinhanças da Guarda nos territórios de Celorico, Gouveia, Manteigas, Canas de Senhorim, e dirigiu se, depois de se ter robustecido com a ajuda de colegas, que vieram cumprimentá-lo, à Raiva, na direcção de Coimbra, depois de ter atravessado ofegante as duas Beiras. O Zêzere, que também estava alerta, entrou de mover-se ao mesmo tempo que o Mondego, ocultando-se até certa distância nas anfractuosidades do seu leito penhascoso; foi direito propriamente a Manteigas, onde perdeu de vista o colega, passou também nos terrenos da Guarda, correu para o Fundão, desnorteou, obliquando para Pedrogão Grande; e finalmente, depois de ter atravessado três províncias, deu consigo em Constância, na Estremadura, abraçando-se ao Tejo, a que ofereceu as suas águas, já cansado de caminhar umas 40 léguas e desesperançado de alcançar o mar.

O Alva, dorminhoco e poeta, embora esses atributos não sejam sinónimos, entreteve-se a contemplar as estrelas, mais do que era prudente, adormeceu confiado no seu génio insofrido e nervoso; e, quando despontou, alto dia, estremunhado, em sobressalto, avistou os colegas a correr sobre distâncias a perder de vista. Um desastre, não havia que ver! uma imprevidência, que era forçoso remediar. O Alva atirou consigo de roldão pelos campos fora, rasgou furiosamente montanhas e rochedos, galgou despenhadeiros, bradou vingança temerosa, rugiu ; e, quando julgou que estava a dois passos do triunfo, foi esbarrar com o seu principal antagonista, o Mondego, que lá ia, havia horas, campos de Coimbra fora, em cata da Figueira, onde se lançaria jubiloso no seio volumoso do Oceano, ao ganhar a porfiada contenda.
O Alva esbravejou, como atleta sanhudo, atirou-se ao adversário, a ver se o lançava fora do leito, espumou de raiva; mas... o outro, que deslizava sereno e forte, riu-se, e engoliu-o de um trago.
Ao lugar da contenda e foz do Alva chamou-se propositadamente Raiva, em memória da sua atitude raivosa e do caso tremebundo.”
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FRIAS, David Correia Sanches de; VASCONCELOS, Carolina Michaelis de; VASCONCELOS, Joaquim de - Pombeiro da Beira: memória histórica, descritiva e crítica. Lisboa: Tip.de João Romano Torres, 1896